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GETA interview – Gwyneth Llewelyn

Iniciamos a nossa série de entrevistas com a entrevista da Gwyneth Llewelyn. Nesta primeira série iremos publicar (na íntegra) entrevistas em português realizadas a avatares do Second Life.

(fotografia por Gwyneth Llewelyn e editada por Ana Lutetia)

A Gwyn é uma caixinha de surpresas. Para mim, é uma das daquelas pessoas com quem podemos passar horas a conversar sobre os mais variados temas (embora ultimamente, acabamos sempre a falar em comida…) e a quem recorro quando tenho perguntas que não lembram a ninguém.
Abaixo do corte podem ler, na primeira pessoa, as respostas às milhentas perguntas que nos lembrámos de fazer e algumas estórias: desde o abraço ao Philip Linden a algumas ideias e visões inovadoras e perspicazes sobre a evolução do SL.
Para saberem mais sobre a Gwyneth Llewelyn, recomendo a leitura do blog dela aqui e dos artigos que escreve para a Avastar e/ou para o SLHerald.

Gwyneth em Portucalis (2007)
SL-Gwyn0001.jpg by Ana Lutetia, on Flickr

1 – Como descobriu o Second Life e o que o/a motivou a criar uma conta?

Descobri “por acaso” no site da Apple, quando estava à procura de jogos em 3D que corressem em Mac (há pouquíssimos). A Apple tinha feito um pequeno artigo explicando o que era o SL e como funcionava, isto em Junho de 2004, quando houve um “major upgrade” do SL (introdução de animações personalizáveis, de comunicações Web para o exterior, um novo motor de partículas, etc). Só apanhei esse artigo em finais de Julho desse ano, que foi quando me liguei!

2 – Muitas pessoas desistem do Second Life na primeira semana ou no primeiro mês pelos motivos mais variados sendo que o mais comum é não se saberem orientar. O que determinou a sua permanência no SL durante todo este tempo e o que o/a motiva a voltar dia após dia?

Na altura foi o fascínio de ver centenas de pessoas nas sandboxes a fazerem coisas extremamente criativas… e depois, percorrendo os “arrebaldes” das sandboxes, ver pessoas a montarem negócios em torno de construções mirabolantes. Foi uma experiência surreal, especialmente porque não estava à espera de “ver as coisas acontecer à minha frente”, isto é, gente a montar as suas lojas, casas, etc. e a convidarem-me para visitar enquanto as “obras” decorriam…

Mais tarde, sem dúvidas que a motivação principal é ver o que as pessoas fazem para tirar partido do SL. Cada vez há mais gente, com ideias cada vez mais originais, fazendo do SL aquilo que ninguém sonhava ser possível. Esperava que isso viesse a “estagnar” um dia, ou seja, que a imaginação das pessoas terminasse; mas à medida que vai entrando mais e mais gente, é notável reparar que a imaginação continua a não ter limites…

Sem sombra de dúvidas que o principal elemento do SL são as *pessoas*.

3 – Como ocupa o seu tempo no SL?

Ultimamente é praticamente só a trabalhar 🙂

Há duas ou três reuniões/círculos de discussão semanais que não perco (para pelo menos ter uma actividade de lazer no SL…), mas de resto, nos intervalos entre o trabalho, é a conversar com amigos e conhecidos… e dar um saltinho a uma loja ou outra 😉

No início do SL, era muito mais divertido — fazia roupas, animações, pequenos “gadgets” como attachments… perdia eternidades com isso. E depois andava sempre à cusca das novidades que iam aparecendo no SL. Infelizmente o SL agora é grande demais, é impossível de todo conseguir ver tudo o que é “interessante”.

4 – Alguma vez desistiu do SL? (Porquê? )

Não, como nunca desisti da Web, do email, dos Messengers… são ferramentas que vão ficando. Estou a tentar desistir do telemóvel (e já desisti da TV em 2000), mas é difícil!

5 – O que lhe agrada mais e menos no Second Life?

O que me agrada mais é, obviamente, o facto do Second Life *existir* 🙂 Parece uma tautologia, mas é a questão fundamental: muitos “sonharam” com coisas assim; muitos “pensaram” ou estudaram como poderia ser feito; mas o Second Life existe, está aqui, e não é um “sonho” ou uma “ideia”, mas sim algo que realmente “está cá”. Isso é o que me agrada mais!

O que me agrada menos é ver (de forma assustadora) como é que as pessoas se transformam numa sociedade libertária — sem escrúpulos, revertendo a um hedonismo num estado quase puro, sem assumir responsabilidades, sem pensar noutra coisa que o benefício próprio imediato. Há uma lição a tirar aqui. Há anos escrevi que, à medida que o SL iria crescendo e tornando-se “mainstream”, o número de pessoas que se comportariam dessa forma iria diminuir, dado que nas sociedades reais elas não existem em tão grande número (ou, se existem, moderam-se). A verdade é que não se nota uma “diminuição” — continuam a entrar pessoas que, na vida real, seriam arquétipos de boa educação e modelos a seguir, mas que no Second Life se comportam
como vândalos ou crianças. Pensava que era altura disso acabar. É infantil. Mas pelos vistos está-nos no sangue.

6 – Descreva-nos o seu percurso no Second Life.

Bem, ao fim de um mês, ficou claro para mim que iria continuar a usar o SL durante muito e muito tempo!… A primeira coisa que me lembrei de fazer foi uma espécie de “guia” para os novatos, pois tinha reparado que levava eternidades a aprender as coisas mais simples (levei 2 semanas a perceber como se linkavam prims; e 6 meses para aprender que a câmara se mexe carregando no Alt!). Surgiu assim o meu blog, que era suposto tornar-se, aos poucos, numa espécie de “manual de instruções”. Depois também achei que faltava muito conteúdo barato
para os novatos… e queria incentivar isso também. A páginas tantas, no entanto, reparei que era a pessoa errada para fazer isso (há muita gente com um talento impressionante para fazer essas coisas, e eu não tenho nenhum), por isso seria mais interessante escrever sobre as
pessoas que realmente estavam a fazer coisas interessantes no SL.

Em paralelo com isso, o meu ódio pelo caos, anarquia, e princípios libertários, associados à mania que muitos têm (ou tinham…) de que o SL é “uma utopia”, levou-me a juntar-me a uma comunidade embrionária que tinha como propósito criar um modelo de organização e governação democrática no SL (Neufreistadt — hoje mais conhecida como a Confederação dos Simuladores Democráticos). Chegámos a ter um professor de política internacional, candidato a prémio Nobel, a fazer seminários sobre paz e democracia. O modelo não foi um sucesso — pois actualmente não serve de exemplo a ninguém! — mas a comunidade mantém-se de pé sem “tiranias” nem “abusos”, celebrando pela 4ª vez a época natalícia em conjunto com um grupo pequenino que tem vindo a crescer muito devagarinho 🙂

A dada altura, muito cedo no meu “percurso” no SL, achei que o grande impulso do SL seria quando as empresas e organizações começassem a tirar partido das características do SL, dando-lhe forma e estrutura, e trazendo coisas que até agora seriam impossiveis. Após inúmeros
contactos infrutiferos (era cedo demais…!), ao fim de alguns anos, pude tornar essa actividade na minha profissão real: consultoria e acompanhamento de entidades que desejam colocar a sua presença virtual no SL. Isto requer, acima de tudo, um enorme esforço de evangelização, coisa a que estou muito habituada a fazer (dos tempos em que a Web era uma “novidade”), e é isso que fundamentalmente motiva a continuação do meu “percurso” no SL.

7 – Relate-nos um episódo ou episódios caricatos que lhe tenham acontecido no Second Life.

Ui, tantos!… mas fico-me por este, pois foi um dos primeiros.

Corria o ano de 2004 (talvez Outubro ou Novembro, não me lembro bem). Estava a passear ao acaso e tinha acabado de sair de um telehub (nesses tempos, não se podia teleportar directamente para qualquer ponto do mapa, “navegava-se” de telehub em telehub). Nisto aparece-me também no telehub uma avatar feminina com um ar excêntrico, olha para mim, e diz-me: “Desculpa estar a chatear-te, mas acabei de comprar um Hug Attachment e ainda não o experimentei com ninguém!” (Nota: os hug attachments, muito populares e vulgarizados hoje em dia, permitem dois avatars abraçarem-se — nessa altura, era uma novidade completa, os avatares não interagiam a dois excepto com poseballs e este foi o primeiro de todos a ser criado). Aceitei, é claro, e achei imensa piada à “novidade”. Ela respondeu então que estava perfeitamente fascinada com tudo o que se via no SL, que as pessoas estavam cada vez mais criativas e a fazer coisas que não passava pela cabeça de ninguém, e esta cena do hug attachment, então, era demais… Depois pediu-me desculpa, mas estava já um pouco atrasada para uma “reunião” e que tinha gente à espera, pelo que nos despedimos brevemente e ela lá desapareceu no horizonte…

Lembro-me na altura que fiquei a matutar na questão do “estar atrasada para uma reunião”. Então as pessoas já estavam mesmo a fazer reuniões — reais — no SL? Era fascinante. A outra coisa que achei curiosa era o facto do primeiro nome dela ser “Philip”, mas no SL, nessa altura, ninguém perguntava essas coisas…

O seu último nome era “Linden”, mas só me apercebi mais tarde de quem se tratava… nessa altura, a gente via sempre um Linden ou outro perdido nas Welcome Areas. Não eram frequentes, mas apareciam, e eram normalmente simpáticos. Lembro-me de ter conversado com uns amigos e ter contado esta história, de “ter abraçado um Linden”, e eles perguntaram-me: “mas qual dos Lindens era?” E eu respondi: “Philip Linden, nunca o tinha visto antes”. Momento de silêncio. Depois explicaram-me quem era… para grande vergonha minha! Nem sequer me
lembrei de tirar uma fotografia 🙂 Hoje valeria milhões de L$ 😉

8 – O que é, para si, o Second Life: um jogo, um metaverso, um mundo virtual?

É aquilo que quisermos fazer dele, e a resposta é fundamentalmente filosófica 🙂 Para os meus clientes, é uma plataforma de desenvolvimento de ambientes (presenças virtuais) no metaverso. Para mim existem dois níveis no SL que se tocam e interpenetram: é sem dúvidas uma plataforma de desenvolvimento no metaverso (perspectiva aumentacionista) mas também um mundo “em si” onde as pessoas habitam (perspectiva imersionista). As duas visões são complementares e antagonistas; a realidade estará algures pelo meio.

No SL existem muitos jogos, e é sem dúvidas um ambiente onde pode haver lazer e divertimento, mas não é um “jogo”, tal como a Web não é um jogo (mas há imensos jogos e plataformas sociais e de entretenimento na Web).

9 – Alguma vez teve problemas relacionados com a plataforma? Se sim, como os reportou e qual a sua opinião do feedback por parte da Linden Labs?

Sim, claro, não estou isenta de “problemas” 🙂 Fiz reporting de praticamente todas as maneiras possíveis e imaginárias: contactando-os directamente in-world, indo aos escritórios virtuais deles, mandando-lhes mails, colocando tickets na ferramenta de gestão de tickets deles, ou bug reports a partir do SL… e uma vez até lhes telefonei (via Skype). O feedback é muito variado. Dependendo da pessoa e do assunto, a resposta tanto pode ser “instantânea” como levar meses, não é “consistente”.

10 – O que mudaria no Second Life?

Com a máxima urgência, separar totalmente a Linden Lab das responsabilidades de utilização da plataforma. Esta é a sua maior fragilidade: devido à lei americana os considerar responsáveis pelo que nós, residentes, estamos a fazer, isto coloca todo o futuro do SL em risco. A Linden Lab não pode ser responsabilizada pelo que fazemos no SL, tal como a Microsoft não pode ser responsabilizada se usarmos o Windows indevidamente.

Só quando isto estiver terminado (é um longo processo!…) é que poderei respirar de alívio!

11 – De todas as possibilidades oferecidas pela plataforma e pela Linden Labs, conhece e utiliza todas as funcionalidades disponíveis?

Não — por exemplo, não sou dona de nenhuma ilha (embora seja Estate Manager em várias), e também não estou inscrita para utilização de uma série de coisas técnicas, como a RiskAPI, ou o Architecture Workgroup (grupo de trabalho que planeia a próxima geração da Second Life Grid). Infelizmente, são coisas que há 3 anos teria tempo de usar e participar mas que hoje em dia não consigo…


12 – Quais são os seus projectos actuais e futuros no Second Life?

Actualmente foco-me na consultoria e gestão de produção de conteúdos para presenças virtuais em ambiente Second Life. No futuro gostaria de me dedicar muito mais ao processo de evangelização (através de seminários sobre SL, workshops, etc.) e provavelmente escrever sobre o assunto. Infelizmente, para me dedicar a isso, precisava de deixar de trabalhar 🙂 e isso não é uma opção 😉

13 – Daqui a 5 anos, o que será o Second Life? Consegue projectar a carreira do seu avatar nesse médio prazo?

Daqui por 5 anos, o SL será uma amálgama de grids interligadas, dominadas pelas grids da IBM, Sun e Linden Lab, mas existindo várias que vão ser suportadas por universidades, fundações, e miúdos em casa com imenso tempo livre e sem nada para fazer. Talvez 5 a 10% da população da Internet (ou seja, 100 a 200 milhões de utilizadores) estarão regularmente a usar o SL para actividades de lazer e negócio, tal como hoje usam o Messenger para se manterem em contacto à distância. A esmagadora maioria das bandas lançará no SL os seus novos álbuns, e a maior parte dos filmes de grande público terá os “trailers” lançados no SL. Devido ao forte movimento artístico emergente, grande parte dos museus e fundações que patrocinam a cultura irão ter uma presença no SL. Mesmo os governos (aqueles que apostam mais no e-government) irão regularmente ter as suas presenças, onde os cidadãos poderão discutir coisas como os PDMs de uma cidade em conjunto com membros da autarquia. O “lado negro” é que a UE e os USA irão taxar as transacções em L$ e será mais difícil a evasão fiscal via SL como acontece neste momento; bancos e bolsas virtuais começarão a ser regulamentadas e legisladas.

Alguns dos “concorrentes” do SL irão convencer-se que a melhor forma de se manterem activos é de se tornarem “compatíveis” com o SL. O primeiro será provavelmente o chinês HiPiHi (já há negociações nesse sentido), mas outros farão o mesmo. Vão aparecer alguns em 2008 que julgam conseguir fazer o mesmo que o SL durante uns anos (ex. Sony Home) mas que chegarão à óbvia conclusão que têm de oferecer “muito mais” se quiserem sobreviver. A própria Google provavelmente irá repensar a sua estratégia de “isolados contra o resto do mundo”.
Haverá um movimento de “convergência”, onde o papel da Linden Lab será cada vez menos o de prestador de um serviço (ie. aluguer de espaço em servidores para colocação de ilhas no SL) mas mais de desenvolvimento de protocolos, definição de modelos de interligação, investigação e desenvolvimento em novas áreas, e standardização de elementos que permitam a uma pessoa usar o seu avatar e o seu inventário em diversas grids diferentes.

Do ponto de vista técnico, é mais difícil projectar o futuro, pois as placas gráficas cada vez têm mais funcionalidade, comparativamente ao resto dos elementos nos computadores. Neste momento já existem jogos fotorealistas; o SL em 2012 acompanhará de certeza a tendência.
Haverá uma fase em que irão aparecer uma série de novos clientes SL, independentes da Linden Lab (por exemplo, promovidos pela IBM, ou eventualmente pela Mozilla Foundation…) que trarão essas novas funcionalidades primeiro à luz do dia. Será mais difícil “acertar” com “o melhor cliente” (tal como na actual guerra dos browsers…) e irão ser precisos outros cinco anos até aparecerem 2 ou 3 que se tornem “standard”. O que é provável é que o SL de 2012 seja como o
browser de hoje: clica-se nele, arranca num instantinho, e está “pronto a ser usado”, mesmo que nos estejamos a ligar com um iPhone…

14 – Tem alguma sugestão de alguém que gostaria de ver entrevistado neste espaço?

O rocky Musashi, que tem histórias muito interessantes sobre a utilização do SL por parte de deficientes motores.

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Gwyneth Llewelyn – SL wiki profile
Gwyneth Llewelyn in New World Notes
Gwyneth Llewelyn – Second Life insider
Gwyneth Llewelyn – The Confederation of Democratic Simulators
Gwyneth Llewelyn no Jornal de Notícias
Gwyneth Llewelyn @ OnRez