Eu sei que não sou o exemplo normal de pessoa que aterra no Second Life. Ou melhor dizendo, se calhar eu sou exactamente o exemplo normal de pessoa que aterrou no Second Life em certa altura da vida da coisa; com a excepção de ser uma completa tosca na utilização da tecnologia: tudo o que faço em computadores, faço com recurso àquele clássico formato de aprendizagem e que consiste nos seguintes dois passos principais: “deixa cá ver o que acontece se carregar neste botão” e “dou-lhe aqui uma martelada que é capaz de ir ao sítio” (também consigo – ou não – arranjar máquinas de lavar e autoclismos da mesma maneira).
Mas sou o exemplo certo de pessoa para o Second Life. Se é que há algum. Gosto de jogos de computador, gosto de ficção cientifica, gosto de estar sentada no sofá (não tenho sofás mas, para efeitos literários, faz de conta que lá estão) e, às vezes, aparecem turbanões pelos fios da electricidade que fazem pontaria com as armas laser aos elefantes voadores. Gosto do que está um pouco à margem, de alternativas e de mundos paralelos, de naves espaciais e de seres virtuais. Em resumo e com aquela modéstia que há muitos anos venho demonstrando ter: tenho uma imaginação gigantesca, imensa, delirante, alucinante e prefiro essa minha característica a montanhas de qualidades que, como não tenho, ainda bem que gosto dessa (e à qual não chamo qualidade propositadamente: às vezes é, outras não).
Tudo isto (que já dava um post daqueles que não iria a lado nenhum e o que eu gosto desses!) por causa de uma série de coisas nas quais tenho pensado bastante e que se iniciam no conceito de um coração. O coração, aquele que a Cleo Bekkers e o Melife referem no princípio do seu estudo, aquele que no SL é possível construir para mostrar como funciona.
Se é possível, tenho-me eu perguntado, porque é que não está lá? E é esse ponto de partida, essa pergunta, que me vai azucrinando o juízo. É possível, mas não existe. Porquê?
Quando aterrei no SL, eu, os meus turbanões e elefantes voadores imaginários, quando fiz um cabelo aos picos e um vestido de textura marada e me orgulhei imensamente do meu chapéu de bruxa e me apeteceu imenso ter uma vassoura, fui à procura do alternativo. Dos castelos no ar, dos tubarões debaixo de água, dos barcos de piratas, das flores que não existem na realidade. De tudo o que desafia as leis físicas e as da normalidade. E o SL era uma coisa mágica, cheia, brutalmente carregada de imaginação.
Essa parte ainda existe, ainda lá está, sei agora construída pelos tipos que lá chegaram primeiro, que se calhar também traziam os seus próprios elefantes voadores e jeito para construir alguma coisa mais que chapéus estúpidos (“deixa cá ver o que acontece se carregar aqui agora, ora bolas o chapéu ficou gigante, melhor apagá-lo”).
Mas o resto não.
Entramos no SL (eu entrei) com a cabeça cheia de possibilidades. Depois largamos as asas e os chapéus e os cabelos com picos (são pirosos) e tornamo-nos humanos outra vez. Meramente humanos, com todos os nossos quadradinhos bem definidos e a imaginação lá fica atirada para um canto. Já o cabelo tem que ser o mais parecido possível com o normal real, a roupa não blinka (é piroso) e acabamos vestidos tal e qual somos cá fora, porque queremos ser normais (SL normal-design, claro, nada de ar newbie!). Vamos à procura de coisas normais iguais às que temos ou que gostaríamos de ter. Ficamos limitados pelo real num mundo onde o real poderia ser tudo aquilo que se quisesse. Sentamo-nos em cadeiras para conversar, porque nos cansa falar a voar. Colocamos portas e janelas fechadas, como se os camera controls não passassem todas as paredes.
Temos falta de imaginação.
É uma pena e, de certa forma, um desperdício de recursos mas, no SL, constrói-se um mundo que é, quase todo ele, apenas à semelhança do real.
(mau mau é que, mesmo sabendo de tudo isto, gostamos imenso: só vem demonstrar o limitadinhos que somos, é o que é)